"Nós
éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem
que seja assim, e não vamos ocultar e obscurecer isto, como se fosse
motivo de vergonha. Somos dois navios que possuem, cada qual, seu
objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa,
como já fizemos – e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e
sob o mesmo sol. Parecendo haver chegado ao seu destino e ter tido um
só destino. Mas, então, a todo-poderosa força de nossa missão nos
afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez
nunca mais nos vejamos de novo – ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos
reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! Que tenhamos
de nos tornar estranhos um para o outro é da lei acima de nós:
justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa
antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma
órbita estelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam
incluídas como pequenos trajetos – elevemo-nos a esse pensamento! Mas
nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser
mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. – E assim crer
em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra".
(Nietzsche, A Gaia Ciência, aforismo 279)
Nenhum comentário:
Postar um comentário