domingo, 16 de abril de 2017

A qualquer custo (*****) - Direção: David Mackenzie

Digamos que A Qualquer Custo seja um seguidor espiritual de Onde os fracos não tem vez. As paisagens belas e áridas do texas, caipiras que pra ficarem mais caracterizados só falta o bacamarte, uma história dramática e com um final explosivo, um xerife que caça e segue o dinheiro.
Chris Pine e e Ben Foster são irmãos, um pai divorciado e um ex-presidiário, que perdem a fazenda da família e resolvem assaltar bancos roubando pequenas quantias em dinheiro não rastreável para recuperá-la.
Grandes filmes, discutem o presente, como dizia o poeta, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. E aqui muros pichados com "3 missões no Iraque mas não refinanciam nossa hipoteca", o problema habitacional e a pobreza de muitos nos EUA, a ganância dos bancos que como diz um personagem "roubam durante tanto tempo, agora estão do outro lado da moeda", preconceito de raça.
Pine diz ao irmão totalmente porra-louca "como conseguiu ficar fora da cadeia durante um ano?".
O delegado encarnado por Bridges e seu companheiro indígena/mexicano Birminghan fazem a dupla cidadão caipira preconceituoso versus cidadão razoável e normal. Ofensivo o tempo todo, em certo momento ele informa ao companheiro, que lhe disse que era parte mexicano, que só quando acabarem as piadas sobre indígenas que voltará a carga para a parte mexicana, porém ainda irá demorar. Repletos de frases espertas, o roteiro é milimetricamente bem ajustado, não trazendo nunca quebras de ritmo ou tédio a trama, que tem uma fotografia belíssima, tanto em paisagens diurnas quanto flashes noturnos, o que dá um certo ar contemplativo a narrativa. Há personagens que por vezes aparecem por instantes, porém são bem construídos e nos fazem refletir sobre aquele pequeno microcosmo de vida, como a garçonete mal-humorada que trabalha a 40 e poucos anos naquela lanchonete. Frases, esse filme é recheado delas. "Eu sou pobre, meu pai foi, e os pais de meus pais também. A pobreza é como uma doença contagiosa para nós". WOW.
Surpreende Pine, que normalmente só faz papéis de mocinho bem apessoado, aqui está excelente e desencantado em sua missão, nos fazendo esquecer o Kirk que tantas vezes vimos na nova série de filmes de Star Trek. Porém o dono do show é mesmo Bridge com seu personagem ranzinza, irônico e ainda por cima disso tudo, dentre milhares de motivos para não gostar dele, muito competente no que fez, perto da aposentadoria, que pode lhe ser retirada com alegria, diz seu personagem, se os ladrões de banco resolverem aprontar um tiroteio numa despedida de fúria e glória.
"O senhor das planícies" diz em certo momento um personagem.
Sim, essa jornada é inolvidável.
(*****)


domingo, 9 de abril de 2017

Louis CK 2017 (Netflix) - (****1/2)

Politicamente incorreto e humor. Quantos vezes colocados juntos. Quantas vezes equivocadamente. Ao contrário de Danilos Gentilles da vida, com seu "politicamente incorreto" atacando minorias, covardemente, e não colocando o dedo na ferida das contradições reais da vida moderna, não cabe colocar no mesmo rol esses tipinhos e essa denominação.
Mas há exceções, e louvemos as benditas e honrosas como Louis CK. Dono de um show de standup mais ácidos e beligerantes, e só assistindo se reconhece as discussões até filosóficas que ele nos propõe para entender sua importância e hilariedade.
Veterano dos palcos, causou impacto ao vender um show seu sem intermediários e ganhar um bom dinheiro com isso, permitiu a ele lançar a sua aclamada série Louie, que no Brasil apenas se pode assistir via jack sparrow. A série já é antológica instantaneamente, escrita, dirigida e interpretada pelo fera,  discute sobre todos os temas importantes do ser humano, e que às vezes a risada pode ser até coadjuvante, mas nem sempre. Há belas e acuradas observações sobre a vida e suas consequências, e ele se colocando como um personagem, com suas filhas na vida real na série, só fez ficar melhor e melhor, expondo sua personalidade e despindo sua alma e corpo quando está no palco ou na série. Discussões longe da hipocrisia reinante, é das mais intrigantes atrações que se pode assistir nessa era tão careta e tão chata que sofremos e vivemos. Pena que a série está em hiato tem um tempo, aguardo seu retorno com expectância.
Voltando ao especial que ele fez para o netflix, pode estar representando a entrada da série para os lados brasileiros, já que no americano há todas as temporadas para se degustar, seria uma descoberta para muitos que serão surpreendidos com suas histórias.
Sem digressão, no show de standup há piadas com aborto, sexualidade, suicídio, Magic Myke (pra se borrar de rir, sério), familiares, Estado Islâmico, professores, casamento, e o lance "elizabetano" de namorar das crianças de hoje, tudo com aquele approach sem papas na língua, com a coragem que já criou calo nesse homem de meia idade que sabe fazer rir de maneira inteligente e despudorada.

"deveria se poder falar sobre suicídio. O mundo inteiro é feito de pessoas que não se mataram hoje"
(em tempos de 13 reasons why, que devido ao mimimi intenso nem sei mais se assisto).
 Assim como essas pensatas há varias para se discutir e pensar aqui, espalhadas em 1h de um cara que até tem um livro sobre suas sacadas que infelizmente não foi lançado aqui no Brasil, mas terei de me esforçar para ler em english mesmo.
Ame ou odeie, é assim com Louis CK. Não há meio termo, não há tons de cinza, não há como ser indiferente. Experimente e decida.
(****1/2)

De quebra uma palinha de um outro show dele.

Fragmentado - (***)

Não, não foi dessa vez que Shyamalan conseguiu tirar um coelho da cartola e botar nos eixos sua carreira que parecia muito promissora após o clássico O Sexto Sentido, e o muito bom Corpo Fechado. Com plot twists carpados de tão bem bolados, principalmente no primeiro filme, prometia aos espectadores sempre algo de diferente, com um roteiro que nos permitia enxergar a esperteza na urdidura de mais tramas que nunca deixavam de surpreender. Porém o que se viu depois foram um diretor que se comprazia em fazer o mesmo truque sem a mesma maestria de antes, em filmes com histórias cada vez mais tolas ou estapafúrdias. Algumas cenas por vezes de impacto, como as pessoas pulando de um edifício em sequencia em o Fim dos Tempos, um filme com um início de impacto, mas fora isso muitas bolas foras.
Dessa vez ele nos entrega um filme de suspense irregular, onde quase que não há...suspense. A história de um louco de pedra que sequestra 3 garotas e as confina enquanto desfila suas 23 personalidades embora dessas só 8 ou pouco mais são apresentadas na projeção.
Uma menção honrosa deve ser feita a James McAvoy, que está muito bem nas várias figuras que encerra dentro de sua mente perturbada, com nuances corporais e de voz que impressionam, e que no final fica ainda mais assustador em sua composição. O problema é que o filme não é só ele, e o restante do elenco é bem irregular, principalmente as meninas sequestradas, onde até Anya Taylor-Joy do excelente A Bruxa está bem mais ou menos.
A projeção poderia ter um roteiro mais enxuto, pois há cenas que poderiam ter sido limadas com tranquilidade, tal a insignificância de algumas passagens. Alguns truques ou sacadas de uma personagem, a psiquiatra, é incipiente até de tão bobinha.
E aqui chegamos a, nessa altura duvidosa, questão do plot twist do filme: ela não se refere a trama em sí, o que pode ser legal para alguns, mas deixa sentimentos ambivalentes em muitos.
O resumo da ópera é: o filme é bom? Sim, é até assistível. Porém vale a ida no cinema em um dia, hmmmm, frio e de chuva? Melhor aproveitar seu chocolate quente entre cobertas.
(***)