sexta-feira, 22 de julho de 2016

Crônicas de Artur - Bernard Cornwell (*****)

Pense nas lendas do rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda contada de forma mais realista, ou pelo menos menos fantasiosa. Com uma descrição pormenorizada e crua das batalhas sangrentas e as famosas paredes de escudos no século V. Baseados em descobertas históricas, o autor conseguiu criar um mundo ficcional rico e selvagem, mostrando a história daquele que é chamado de rei e que nunca usou uma coroa. A história dessa trilogia composta de 3 livros parrudos, perto de 500 paginas, composta de O rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur, pode ser encontrada por vezes em boas promoções no submarino num box, lembro que paguei 49 reais, preço de um livro nas livrarias do ramo. Conta a história de Arthur e as batalhas travadas por ele, bretão, dentre a chegada do cristianismo, a vinda dos saxões e a difícil vida dos bretões para manter a unidade da Bretanha. Com mapas com os nomes das localizações como eram chamados na época, além de um resumo de todos os personagens, e são muitos, é uma obra muito bem organizada e com qualidade muito boa. E neste meio estão personagens famosos das lendas como Guinevere, Lancelot, Morgana, o mago Merlin, e o personagem fascinante que conta a história, Derfel, que é um saxão adotado pelo mago.
A idade das trevas aparece aqui com todas as suas lendas e retrocessos, crueldade e escuridão e tantas religões e deuses. Então é comum no livro a morte de mulheres, velhos e crianças pois para os vencedores as batatas, como diriam os antigos, ou então em rituais para trazer a bonança. Merlin é apresentado como um homem inteligente, que usa a psicologia e o medo para controlar as pessoas que seguiam os druidas, além dos conhecimentos naturais que podem tanto ser vistos por eles na época como milagres quanto por mero charlatanismo ou mágica, no sentido de prestidigitação. Há soluções inteligentes para mitos sobre Artur, como a espada na pedra, aqui ligeiramente alterada. Há política, acordos entre Reis, traições, como ocorrem também nos livros de George R. R. Martin. Os personagens são fascinantes, cheios de nuances e grandeza até nas suas pequenezas, e por vezes agem de acordo com sua persona ou por vezes contra ela, porém nunca de forma a trair o que imaginamos deles. As reviravoltas ocorrem, porém é nas descrições de batalhas que o autor pega pesado e os estômagos fracos podem se sentir atacados em toda a violencia e riqueza de detalhes que, como vísceras espalhadas, permeiam todas as pelejas. A descrição também do modo de vida, das dificuldades, higiene quase nula, pestes e medos da época nos mostra como vivemos muito tranquilos hoje, como o conforto que alcançamos com o civilização em oposição a dura vida dos bretões, saxões e irlandeses naquele tempo. Além do "núcleo principal", digamos assim, há personagens secundários tão cativantes e impactantes quanto aqueles, com suas histórias, heroísmos, covardias e vilanias representados magistralmente pelo autor, como Bors, Agrícola, Sagramor, Cuneglas dentre tantos outros. O autor tem um certo viés anti-cristianismo, que está espelhado na boca dos seus personagens, mas não diminui a grandeza dessa obra, um clássico moderno desde que lançado, e considerado pelo próprio autor seu melhor trabalho. Estou terminando o último livro, e é com satisfação e um pouco de tristeza que em breve deixarei este mundo tão imaginativo, sangrento e imersivo da narrativa do autor, que construiu uma obra ousada e instigante, realista e imensa na sua perspectiva histórica. Recomendado.

Abaixo uma coleção de breves frases que atestam a perspicácia e inteligência de Bernard Cornwell.

"A vida é uma brincadeira dos deuses, costumava dizer Merlin, não existe justiça. Você precisa aprender a rir, disse-me ele uma vez, ou então vai simplesmente chorar até morrer."
"Os sonhos não se realizam através de cautela, e sim o perigo ousado."
"O destino é inexorável, e tudo termina em lágrimas"
 "O amor é loucura, balançando do êxtase para o desespero num segundo"

Nenhum comentário:

Postar um comentário