sábado, 28 de outubro de 2017

Saber esquecer (quem quer nada, é livre)

(Que os deuses me concedam que, despido/ De afectos, tenha a fria liberdade/ Dos píncaros sem nada./Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada /É livre; quem não tem, e não deseja,/ Homem, é igual aos deuses. in Fernando Pessoa)



Por vezes se faz necessário saber sair de cena, antes do cair da cortina, e as luzes da ribalta sequer se apagaram,
por vezes devemos fechar os olhos ao céu avermelhado no fim da tarde, antes que o sangue inunde os olhos,
por vezes deve se descuidar do esboço, e jogar o lápis num canto escuro, ante a folha de branco sem lastro.
por vezes é preciso respirar fundo o ar gélido que arde nos pulmões, pois que está cansado de suspirar cristais de vidro,
por vezes se salta do trem em movimento, pois a linha é sem saída e o futuro terminou, como bem vemos,
por vezes a noite não é feita de estrelas inumeráveis, mas de um céu plúmbeo (as estrelas jazem acima, mas não querem ser vislumbradas),
Por outras vezes, os caminhos não dão em lugar nenhum, e toda caminhada não é sequer um meio, somente um grande nada.
às vezes não se vale a luta, não se vale a demanda, e qualquer esforço é inútil e não vale a pena esperar o que não virá.
às vezes a vida é uma história de amor escrita por um cego descrevendo a beleza que ele nunca viu,  só um produto de seu imaginar imperfeito.
às vezes vale a pena se arriscar a amar porque é quando se sente a alma viva ante o espetáculo moribundo de um mundo corrompido pelo caos,
às vezes é imprescindível saber cortar os fios anímicos de duas almas, atitude libertadora do que oprime mais que ampara,
às vezes descobre-se que nem todo final é feliz, mas consola saber que é melhor um final do que a intermitência de uma chuva que não sacia a sede da terra ressequida.
Saber esquecer, mesmo que esteja gravado na carne, na pele, na alma, é imperativo. E logo será belo apreciar o regozijo de estar vivo.




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